Para qualquer mulher que esteja grávida, a perda do seu bebê é uma experiência dolorosa, mesmo que esta ocorra logo no início da gestação. O trauma é tão intenso que, apesar de o aborto espontâneo representar um acidente isolado em mais de 80 por cento dos casos, a maior parte das mulheres vive apavorada com a possibilidade de, perante uma nova gravidez, voltar a passar pelo mesmo. A verdade é que 50 a 80 por cento das mulheres que passam por esta perda voltam a engravidar.
Mas se o medo é compreensível nestes casos e, até certo ponto, protetor, já que é responsável pelo aumento dos cuidados com a gravidez e o feto, aquilo que poucos sabem é que a tristeza e o trauma podem acompanhar estas mulheres durante muitos anos sob a forma de transtornos depressivos e ansiosos. Mais: a concretização de nova gravidez e o nascimento de um filho não resolve o problema.
Um estudo realizado no Reino Unido e que envolveu mais de 13 mil grávidas veio colocar em evidência o real impacto da perda gestacional na saúde mental da mulher. Nesta pesquisa as grávidas reportaram o número de abortos espontâneos e nados mortos passados e foram avaliadas para sintomatologia depressiva e ansiosa – duas vezes durante a gravidez e quatro vezes depois do parto (às 8 semanas, aos 8 meses, aos 21 meses e aos 33 meses). Neste estudo cerca de 21 por cento das grávidas já tinham sofrido pelo menos uma perda gestacional. Estas mulheres mostraram sintomas de ansiedade e depressão mesmo depois do nascimento de um bebê e muito tempo depois do período a que convencionalmente chamamos de pós-parto. Em concreto, 13 por cento das mulheres que tinham sofrido uma perda de gravidez mostraram estes sintomas 33 meses depois do parto. Dentre aquelas que tinham sofrido duas perdas gestacionais, cerca de 19 por cento apresentou sintomatologia depressiva ou ansiosa 33 meses depois do parto.
Estes dados são muito importantes na prevenção da depressão e na vigilância da gravidez, permitindo-nos avaliar com maior rigor o risco de depressão pós-parto. Até aqui, a existência de casos de depressão na família, a ocorrência de eventos stressantes e a inexistência de suporte social durante a gravidez eram os fatores de risco para que os clínicos estivessem mais sensibilizados. A partir de agora, a existência de pelo menos um aborto espontâneo é considerada um fator de risco tão importante quanto os anteriores.
Não podemos esquecer-nos de que a depressão materna acaba por ter um impacto severo no bem-estar da criança e do resto da família, comprometendo até os laços afetivos. Oferecer apoio especializado às grávidas que já tenham experimentado uma perda gestacional implicará provavelmente promover a saúde e o bem-estar daquela criança, da mãe e do resto da família.
Autor: Miriam Modesto